Eu já tinha feito umas tantas viagens que muitos poderiam chamar de grandes, mas que para mim não eram grandes o suficiente. Fui e voltei de Vitória a Belo Horizonte e ao Rio de Janeiro mais de uma vez, fui de São Paulo a Vitória em dois dias, e uns tantos outros passeios menores. Mas nunca tinha passado vários dias viajando, dia após dia, 10 a 12 horas na moto, 600 ou 700 km cada dia. Queria muito ter essa sensação, saber como me sentiria, se aguentaria as dores e tudo o mais.
Sempre era (e é) um problema para mim fazer uma grande viagem de moto, porque todos na minha casa gostam de viajar, e para todos nós viajarmos juntos só indo de carro ou de avião. Eu não me sinto bem ocupando meus dias de férias, que poderia passar com eles, curtindo uma grande viagem sozinho enquanto eles ficam em casa "chupando os dedos" (por isso nunca consigo separar umas férias de 30 dias para ir a Ushuaia, por exemplo).
Mas aí no início de julho de 2015 eu atingi o limite de horas excedentes no banco de horas da empresa e fui convidado a tirar uma semana de folga. O que fazer nessa semana, se todos mais estariam trabalhando ou estudando? Ora, viajar de moto, claro!
Entre planejamento e viagem não foram nem duas semanas. Decisão, planejamento e ação rápidos, para não dar chance de pensar muito e desistir. Recebi todo o apoio que precisava da minha grande companheira da vida toda, Márcia, e inventei meu roteiro.
Planejando o roteiro:
Como já fiz muitas viagens de Vitória a Porto Alegre de carro, conhecia todas as grandes autoestradas desse trecho muito bem. E não queria apenas ir a Porto Alegre da forma mais rápida e simples, pois o propósito não era chegar lá, mas como ir até lá, por quais estradas passar, a experiência mesmo da viagem. Eu queria conhecer algumas estradas famosas que já tinha ouvido falar muito, como a Rastro da Serpente, a Serra do Rio do Rastro e a BR-116 na Serra Gaúcha! Estradas de serra, cheias de curvas, com belas paisagens!
Depois de muito olhar o mapa, as escolhidas foram:
- BR-116 - Subida da Serra das Araras
- Rastro da Serpente
- BR-376 - Descida de Curitiba a Joinville
- Serra do Rio do Rastro (subida e descida)
- BR-116 - Subida da Serra Gaúcha
- BR-116 - Campos de Cima da Serra (SC/PR)
- BR-393 - Vassouras a Além Paraíba
Não planejei os pontos de parada de cada dia, pois não sabia quanto cada um deles ia render em quilometragem. Tinha certo apenas as estradas para passar e o destino final. Como nunca piloto à noite, quando chegasse a hora do por do sol a cada dia, a ideia era parar na primeira cidade que aparecesse e dormir lá.
Preparando as coisas:
Como morei 23 anos lá no sul, sei bem que em Porto Alegre e região em julho costuma fazer bastante frio. Então comprei umas roupas de frio para usar por baixo do macacão de couro na Decathlon. Umas duas blusas tipo terceira pele térmica, e duas tipo segunda pele, de diferentes "graus térmicos". Com as possíveis combinações das 4 blusas pensei ter roupa para qualquer temperatura, desde um dia quente até um bem frio.
A moto estava toda OK, não requereu nenhum preparo especial. Pneus estavam bons, mecânica também, tudo o mais em condições de viagem.
Uns dois dias antes da viagem a moto deu um aviso no painel que havia uma avaria de luzes. As motos BMW tem disso, avisam "LAMP" no painel. Mas para minha surpresa, avisam antes do problema realmente aparecer. O farol estava funcionando, alto e baixo, lanterna traseira também. Resolvi seguir viagem mesmo assim. Só verifiquei qual era o tipo de lâmpada e pedi para Ricardo, um grande amigo que tenho no Rio de Janeiro, comprar outra para eu substituir no caminho se precisasse.
A noite anterior:
Alguns momentos numa viagem são muito especiais. Nessa, um dos mais especiais aconteceu antes dela, na noite imediatamente anterior. Eu estava em casa, sentado na copa, olhando a previsão do tempo para todo o trajeto, ponto a ponto, dia a dia. E ela era toda ruim. Quem anda de moto sabe o desânimo que dá de sair em uma viagem já com chuva. Pegar chuva pelo caminho é contingência, não se escolhe nem tem como evitar, mas sair de casa já com chuva é outro papo... e eu estava nessa situação. Pensei em desistir da viagem, ficar em casa. Mas aí apareceu Márcia, e com toda segurança do mundo (ou assim me pareceu, já que eu estava mergulhado em dúvidas) me falou algo como "claro que você vai!". Sim, claro que eu vou. Fim das dúvidas. Todo mundo deveria ter como parceiro alguém como Márcia, que dá força bem no momento que você precisa!
Dormi mal, como sempre que estou ansioso. E no dia seguinte, um sábado, acordei bem cedo. Me arrumei com todos os paramentos, tomei um café mixuruca (quem tem fome com tanta ansiedade?), me despedi de Márcia e fui. Estava iniciando ali minha grande viagem!
1o dia - sábado, 4/julho: De Vitória a Queluz
Nesse dia não tinha nenhuma grande estrada planejada, somente a subida da Serra das Araras na Dutra, já depois do Rio de Janeiro. Havia a ideia de que Ricardo pudesse me acompanhar num trecho do Rio adiante. Ele voltaria para o Rio sozinho no outro dia do ponto que parássemos, em algum lugar da Dutra.
Ao contrário do que dizia a previsão do tempo, havia sol quando saí de casa. Peguei a Rodosol até o trevo de Guarapari, e segui dali adiante pela BR-101 com rumo sul. Tempo muito bom em todo o trajeto, sol e calor em todo o trecho do dia. E a estrada calma como em todo final de semana que não é temporada de turistas.
Cheguei no Rio de Janeiro pelas 14 horas e liguei para Ricardo. Infelizmente ele não poderia me acompanhar, mas foi ao meu encontro levar as lâmpadas do farol que tinha comprado. Guardei as lâmpadas na bagagem e segui meu caminho, pois muita estrada ainda havia para rodar nesse dia.
Finalmente subi a Serra das Araras de moto, como sonhava há tempo. Foi bom, as curvas são bem legais, longas, dá para deitar bem a moto. Mas a serra é bem curtinha na subida e infelizmente acaba logo!
Segui adiante pela Dutra sem interrupções até passar da divisa. Parei apenas para tirar umas fotos aqui e ali, onde a paisagem convidava. No topo da Serra das Araras e nas retonas de Resende, por exemplo.
Ao chegar em Queluz, logo depois da divisa de SP, vi da estrada um anúncio de "hotel para viajantes" na beira da rodovia. Não era muito tarde ainda, creio que umas 5 da tarde. Daria para andar mais, mas aquela era uma oferta interessante. Estava bem ali pertinho e com preço convidativo. E eu poderia trocar a lâmpada do farol baixo, que a essa altura já desistido da vida para sempre. Fui lá ver. O hotel era simplezinho, sem ar condicionado nos quartos, apenas ventilador. Mas motoviajantes solitários não requerem muita coisa. Fiquei.
Troquei a lâmpada do farol em poucos minutos. Tarefa simples e fácil. E fui jantar na megalanchonete Graal anexa ao hotel. Era tão boa que gostei mais ainda de ter parado ali.
Algumas fotos do 1o dia:
Frade e a Freira, próximo de Cachoeiro do Itapemirim/ES
A primeira divisa de estado - ES/RJ
Retonas da BR-101 próximo de Niterói
Alto da Serra das Araras
Segunda divisa do dia - RJ/SP
Trocando a lâmpada da moto
Algumas fotos do 1o dia:
Frade e a Freira, próximo de Cachoeiro do Itapemirim/ES
A primeira divisa de estado - ES/RJ
Retonas da BR-101 próximo de Niterói
Alto da Serra das Araras
Segunda divisa do dia - RJ/SP
Trocando a lâmpada da moto
2o dia - domingo, 5/julho: De Queluz/SP a Bocaiúva do Sul/PR
A partir daqui a previsão do tempo começou a acertar. O tempo estava bem nubladão e frio ao acordar e tomar café, novamente na megalanchonete. Coloquei todas as tralhas na moto de volta e saí para a estrada. Friozinho de 12 graus no planalto de São Paulo. Dava para sentir todas as pequenas aberturas de ventilação do meu casaco de couro! Ele que sempre me parece bem quente, estava um gelo.
Para piorar a sensação de frio uns tantos quilômetros adiante começou a chover. Parei para colocar a capa de chuva. E tive uma surpresa algum tempo depois - apesar da chuva, eu parei de sentir frio. Aí me dei conta de uma obviedade - o que dá a sensação de frio é o vento entrando pela roupa. Como a capa de chuva bloqueava a chuva e também o vento, me deixava mais quentinho e confortável. Muito bom!
A chuva parou quando eu estava perto de São Paulo, e eu passei pela megacidade pela marginal Tietê. Segui as indicações de estrada com destino Sorocaba. Mas meu destino na verdade era a estrada chamada Rastro da Serpente, que liga Capão Bonito a Curitiba. Estrada famosa entre motociclistas por ter milhares de curvas!
Cheguei em Capão Bonito e procurei o bar Porthal Rastro da Serpente. Me perdi um tanto até encontrar o bar, que hoje sei que fica bem na entrada da cidade, super fácil... mas faz parte. Bati um papo com o cara do bar, naquele momento só tinha eu lá. Ele me contou que atravessar o trecho todo levava entre 4 horas e 5 horas, na melhor hipótese. E aí eu fiquei preocupado se teria tempo para fazer todo o trecho antes de anoitecer, pois já eram 13 horas e eu certamente não iria ser dos mais rápidos nesse trecho desconhecido e cheio de curvas. Almocei rapidamente numa churrascaria do posto de gasolina ao lado do bar e me mandei para a famosa Rastro da Serpente.
A estrada, ao contrário das megaestradas paulistas até ali, estava em más condições. É uma estradinha de pista simples, e efetivamente cheia de curvas! Raros são os trechos retos de mais de 300 metros. E para meu azar a chuva voltou logo ao sair de Capão Bonito, e a combinação de chuva com curvas e buracos no asfalto não era meu prato predileto. Mas fui em frente. Um cagaço logo no início - uma leve derrapada de dianteira - já me deixou bem alerta e bem mais cuidadoso! Segui "na ponta dos dedos". Mas curtindo o desafio.
Parei em Apiaí para uma foto obrigatória na placa estilizada da estrada na praça de entrada da cidade. O tempo não era dos melhores, então não fiquei muito tempo. Segui adiante para mais outras tantas curvas. Outras cidadezinhas apareceram pelo caminho. Ribeira, bem na divisa com o Paraná. Depois Tunas do Sul. Desta em diante a estrada me pareceu mais bonita. Serpenteava pelo topo dos morros, descortinando horizontes de um lado e outro. Tempo bem frio em todo o trajeto, alguns lugares fez apenas 8 graus. Com a umidade do ar, parecia menos.
Estava anoitecendo quando cheguei numa cidadezinha de beira de estrada - Bocaiúva do Sul. Parei no primeiro hotelzinho que vi. Era uma espelunquinha, mas fiquei lá mesmo assim. Hotel Vargas. Dizer que não tinha ar condicionado é desnecessário, por muito tinha cama (tá, exagerei...). Mas me servia por uma noite, aquela noite. Larguei a moto, tomei um banho para aquecer o corpo e o espírito e fui a pé jantar uma pizza naquela que me pareceu a única pizzaria do lugar. Surpreendentemente, muito boa pizza.
Algumas fotos do 2o dia:
Parada para café em Taubaté/SP
Estradonas paulistas... olha o frio na segunda foto da sequência!
O bar Porthal Rastro da Serpente e sua placa famosa:
Pracinha de Apiaí, onde fica a segunda placa.
Para mim a verdadeira placa da Rastro é essa aí... É curva e mais curva!
A moto estacionada na frente do hotelzinho em Bocaiúva do Sul.
3o dia - 2a feira, 6 de julho: De Bocaiúva do Sul/PR a Araranguá/SC
Meu projeto, um tanto irreal (hoje eu sei) era ir de Bocaiúva até Porto Alegre em um dia, passando ainda pela Serra do Rio do Rastro. Somando quilometragens e tempo planejado para cada trecho parecia possível. Levaria 12 horas.
Saí com tempo frio e bem nublado novamente. Mas não tinha certeza se ia chover ou abrir, então não coloquei as capas. O macacão de couro resiste a chuvisquinho pilotando no vento. Logo peguei um trecho mais urbano, das cercanias de Curitiba. Aí a chuva apertou, e eu coloquei as capas. Já estava um pouco úmido a este ponto, a chuva era mais intensa do que o vento conseguia secar.
Desci a serra para Joinville, cumprindo meu terceiro objetivo de viagem, descer a BR-376. A estrada não me encantou. Já tinha passado umas tantas vezes nela de carro, sempre pensando que de moto deveria ser muito legal. Ok, ela tem boas curvas, mas creio que seja mais divertida em velocidades maiores que as que eu rodava, e especialmente sem chuva. Na chuva meu lado "Valentino Rossi" desaparece como por encanto. Fiz todas as curvas com cuidado.
A chuva se manteve constante em todo o trecho de Curitiba até Florianópolis. Sem trégua. Comecei a me sentir molhado, mesmo com a capa. Imaginei que tinha sido por ter colocado a capa com as roupas já um pouco molhadas em Curitiba. A umidade teria penetrado no couro. Fiquei me recriminando pelo erro, deveria ter saído do hotel já com as capas.
Parei no entorno de Florianópolis num posto de gasolina para abastecer, comer alguma coisa e me recuperar um pouco do frio que sentia. Estava com a segunda e a terceira peles mais quentes, mas ainda assim era frio. Tirei as capas de chuva, as luvas encharcadas e fiz um lanche. Nisso chegaram no posto dois caras em duas Harleys, e fui bater papo com eles. Vinham de algum lugar do Paraná que não lembro, e pretendiam ir para a Serra do Rio do Rastro, como eu. Mas a esse ponto eu tinha muitas dúvidas se iria lá. Que ia fazer numa estrada super travada de serra com uma chuva persistente como aquela? O que seria possível ver lá de cima? Não parecia boa ideia. A Serra do Rio do Rastro ficaria para o trajeto de retorno.
Comentei com eles sobre isso, e eles desistiram de seguir pela BR-101 até a Serra do Rio do Rastro. Resolveram subir a BR-282 e inventar um novo rumo conforme estivessem as condições do tempo. Eu segui pela BR-101 mesmo, era meu melhor caminho. Se continuasse chovendo eu iria direto até Porto Alegre nesse mesmo dia.
Não muito depois de Palhoça, para minha grande surpresa, a chuva parou completamente. Pouco a pouco o tempo foi abrindo até fazer sol! Tirei as capas e rodei um bom trecho com o casaco de couro um pouco aberto, para o sol e o vento secar as roupas que estavam úmidas. Essa melhora nas condições climáticas acabou com minhas dúvidas sobre subir a Serra do Rio do Rastro - é claro que eu ia subir ela. Esse era meu maior objetivo de viagem! E acabei por me sentir um pouco culpado de fazer os colegas de Harley mudar de ideia.
Saí da BR-101 em Tubarão, em direção a Lauro Muller. Me surpreendi com a qualidade das cidades do interior catarinense nesse trecho, em especial com São Ludgero e Orleans. Não conhecia essa região. Me pareceram boas cidades, com muitos prédios. Eu realmente não esperava cidades com essa infraestrutura por ali.
Cheguei na SRR com uma sensação indescritível de vitória por finalmente estar ali, naquele lugar cantado em prosa e verso por tantos colegas motociclistas! Subi a serra com todo cuidado, parando para tirar fotos em tudo quanto é curva. E como é bonito o lugar... merece cada foto e muito mais! Foi um prazer idescritível estar ali.
Cheguei no topo da serra e parei no primeiro bar que achei. Fiz um lanche. Era um barzinho muito mixuruca, que duas senhoras tomavam conta. Não havia mais ninguém por lá, só eu e elas. Achei estranho para lugar tão famoso. Até que elas mesmo resolveram o mistério - me disseram que havia logo adiante um mirante, lugar das melhores fotos da serra. E era logo adiante mesmo, uns 500 metros se tanto. Segui até lá. Realmente era o lugar. Tirei montes de fotos! Tinha até uma simpática família de quatis por ali, garimpando comida com os visitantes.
Fiquei um tempo por ali, tirei todas as fotos que queria e aproveitando o tempo surpreendentemente limpo depois de tanta chuva no dia. Dava para ver bem longe lá de cima! As fotos ficaram ótimas. Quando eu imaginaria isso no meio daquela chuva toda de Curitiba a Florianópolis! Lição - nunca dê um objetivo por perdido até que a partida acabe, e sem ao menos tentar!
Me dei conta lá em cima que não teria tempo para chegar em Porto Alegre no mesmo dia, como cheguei a pensar no dia anterior, ao olhar os trechos do Google Maps. Então liguei de lá para um grande amigo, Karlo, que mora em Araranguá, relativamente próximo. Amigão de mais de 30 anos de amizade. Me escalei para passar a noite na casa dele, na maior cara de pau. Ele nem sabia que eu estava por ali perto, menos ainda que estava numa viagem de moto. Mas me recebeu maravilhosamente, como sempre (não é a primeira vez que me escalo).
Desci a serra tirando mais fotos ainda, e rumei para Araranguá. Já estava completamente seco de novo, pois o vento da estrada secou a roupa toda, até as luvas de couro encharcadas. Cheguei em Araranguá ainda de dia, e encontrei Karlo no seu escritório. Dali fomos para a casa dele, onde encontrei o restante da pequena família - Adriana e Guilherme. Muito bom revê-los.
No fim das contas, o que começou como um dia cinzento, frio e chuvoso acabou sendo uma grande conquista. A Serra do Rio do Rastro foi o ponto alto de toda a viagem, certamente.
Algumas fotos do 3o dia:
Próximo de Laguna. Lá ao longe a nova ponte, parecendo as velas de um barco.
Primeira placa que encontrei falando da Serra do Rio do Rastro, em Lauro Muller. É pra lá que eu vou!!
Paisagem da serra, ainda na parte baixa, antes de começar a subida. Já é bela.
O café no topo da serra, no 'bar errado'.
A serra em toda sua magnitude, vista do mirante. Quem diria que peguei quase 400 km de chuva nesse dia aí?
Dia de chegar ao destino passando por estradas muito conhecidas - a BR-101 e a BR-290. Sem previsão de grandes emoções além daquela de estar de volta ao meu lugar, ao meu Rio Grande, à casa de meu pai (o que, convenhamos, já é emoção suficiente).
Saí com chuva de novo. Mas desta vez chuva de verdade, sem meio termo. Coloquei todas as capas possíveis e fui para a estrada. O sul de Santa Catarina tem grandes retas e a estrada está ótima, foi só seguir em diante 'toureando' o frio. Faltavam pouco mais de 250 km para chegar em casa.
Parei na divisa de estado (para nós gaúchos, fronteira) e tirei algumas fotos. Minha última fronteira do trajeto de ida! E entrada do meu rincão, da minha terra. Não importa quantas vezes eu passe nesse local, sempre me emociono. É como chegar em casa.
Não lembro se foi antes desse ponto ou depois que senti que já estava todo molhado, da cabeça aos pés. E descobri então que não foi o fato de ter vestido a capa já um pouco molhado no dia anterior que me fez sentir úmido, mas sim o fato da capa ter perdido a impermeabilidade. Ela era feita de um tecido tipo guarda-chuva, e sei lá porquê, passou a deixar a chuva passar. Pouco a pouco eu fui ficando completamente molhado, mas completamente mesmo, até as meias, as cuecas, tudo. Ensopado numa temperatura de 10 a 12 graus, o que somado com o vento da própria pilotagem potencializava a sensação desagradável. As únicas partes quentes do meu corpo eram as palmas das mãos, porque a Alemoa tem aquecedor de manoplas. E que santo equipamento... não sei nem dizer o que seria esse dia gelado sem ele!!
Cheguei em POA no meio da tarde, e dei com a cara na porta. Não tinha ninguém em casa naquele momento. Eu não tinha avisado a ninguém a hora que chegaria, porque não sabia que hora seria. E calhou de ser exatamente quando não tinha ninguém! Tive que esperar algum tempo até alguém chegar e abrir o portão do prédio... e isso todo molhado e gelado... uma beleza!
Passado esse pequeno tormento, eu finalmente entrei em casa! Tirei todas as roupas encharcadas, tomei um banho bem quente, um café e voltei à vida! Eu tinha cumprido meus objetivos e estava imensamente feliz comigo mesmo! Tinha chegado em Porto Alegre são e salvo, superando todas as dificuldades, o frio, a chuva, o medo.
P.S 1: Não tirei uma única foto nesse dia. Chuva demais!
P.S. 2: O conjunto de macacão e calça de couro levou quase 3 dias tomando vento quente da estufa para secar!
A estrada, ao contrário das megaestradas paulistas até ali, estava em más condições. É uma estradinha de pista simples, e efetivamente cheia de curvas! Raros são os trechos retos de mais de 300 metros. E para meu azar a chuva voltou logo ao sair de Capão Bonito, e a combinação de chuva com curvas e buracos no asfalto não era meu prato predileto. Mas fui em frente. Um cagaço logo no início - uma leve derrapada de dianteira - já me deixou bem alerta e bem mais cuidadoso! Segui "na ponta dos dedos". Mas curtindo o desafio.
Parei em Apiaí para uma foto obrigatória na placa estilizada da estrada na praça de entrada da cidade. O tempo não era dos melhores, então não fiquei muito tempo. Segui adiante para mais outras tantas curvas. Outras cidadezinhas apareceram pelo caminho. Ribeira, bem na divisa com o Paraná. Depois Tunas do Sul. Desta em diante a estrada me pareceu mais bonita. Serpenteava pelo topo dos morros, descortinando horizontes de um lado e outro. Tempo bem frio em todo o trajeto, alguns lugares fez apenas 8 graus. Com a umidade do ar, parecia menos.
Estava anoitecendo quando cheguei numa cidadezinha de beira de estrada - Bocaiúva do Sul. Parei no primeiro hotelzinho que vi. Era uma espelunquinha, mas fiquei lá mesmo assim. Hotel Vargas. Dizer que não tinha ar condicionado é desnecessário, por muito tinha cama (tá, exagerei...). Mas me servia por uma noite, aquela noite. Larguei a moto, tomei um banho para aquecer o corpo e o espírito e fui a pé jantar uma pizza naquela que me pareceu a única pizzaria do lugar. Surpreendentemente, muito boa pizza.
Algumas fotos do 2o dia:
Parada para café em Taubaté/SP
Estradonas paulistas... olha o frio na segunda foto da sequência!
Chegada em Capão Bonito, ponto de entrada na Rastro da Serpente.
O bar Porthal Rastro da Serpente e sua placa famosa:
Pracinha de Apiaí, onde fica a segunda placa.
Para mim a verdadeira placa da Rastro é essa aí... É curva e mais curva!
A moto estacionada na frente do hotelzinho em Bocaiúva do Sul.
3o dia - 2a feira, 6 de julho: De Bocaiúva do Sul/PR a Araranguá/SC
Meu projeto, um tanto irreal (hoje eu sei) era ir de Bocaiúva até Porto Alegre em um dia, passando ainda pela Serra do Rio do Rastro. Somando quilometragens e tempo planejado para cada trecho parecia possível. Levaria 12 horas.
Saí com tempo frio e bem nublado novamente. Mas não tinha certeza se ia chover ou abrir, então não coloquei as capas. O macacão de couro resiste a chuvisquinho pilotando no vento. Logo peguei um trecho mais urbano, das cercanias de Curitiba. Aí a chuva apertou, e eu coloquei as capas. Já estava um pouco úmido a este ponto, a chuva era mais intensa do que o vento conseguia secar.
Desci a serra para Joinville, cumprindo meu terceiro objetivo de viagem, descer a BR-376. A estrada não me encantou. Já tinha passado umas tantas vezes nela de carro, sempre pensando que de moto deveria ser muito legal. Ok, ela tem boas curvas, mas creio que seja mais divertida em velocidades maiores que as que eu rodava, e especialmente sem chuva. Na chuva meu lado "Valentino Rossi" desaparece como por encanto. Fiz todas as curvas com cuidado.
A chuva se manteve constante em todo o trecho de Curitiba até Florianópolis. Sem trégua. Comecei a me sentir molhado, mesmo com a capa. Imaginei que tinha sido por ter colocado a capa com as roupas já um pouco molhadas em Curitiba. A umidade teria penetrado no couro. Fiquei me recriminando pelo erro, deveria ter saído do hotel já com as capas.
Parei no entorno de Florianópolis num posto de gasolina para abastecer, comer alguma coisa e me recuperar um pouco do frio que sentia. Estava com a segunda e a terceira peles mais quentes, mas ainda assim era frio. Tirei as capas de chuva, as luvas encharcadas e fiz um lanche. Nisso chegaram no posto dois caras em duas Harleys, e fui bater papo com eles. Vinham de algum lugar do Paraná que não lembro, e pretendiam ir para a Serra do Rio do Rastro, como eu. Mas a esse ponto eu tinha muitas dúvidas se iria lá. Que ia fazer numa estrada super travada de serra com uma chuva persistente como aquela? O que seria possível ver lá de cima? Não parecia boa ideia. A Serra do Rio do Rastro ficaria para o trajeto de retorno.
Comentei com eles sobre isso, e eles desistiram de seguir pela BR-101 até a Serra do Rio do Rastro. Resolveram subir a BR-282 e inventar um novo rumo conforme estivessem as condições do tempo. Eu segui pela BR-101 mesmo, era meu melhor caminho. Se continuasse chovendo eu iria direto até Porto Alegre nesse mesmo dia.
Não muito depois de Palhoça, para minha grande surpresa, a chuva parou completamente. Pouco a pouco o tempo foi abrindo até fazer sol! Tirei as capas e rodei um bom trecho com o casaco de couro um pouco aberto, para o sol e o vento secar as roupas que estavam úmidas. Essa melhora nas condições climáticas acabou com minhas dúvidas sobre subir a Serra do Rio do Rastro - é claro que eu ia subir ela. Esse era meu maior objetivo de viagem! E acabei por me sentir um pouco culpado de fazer os colegas de Harley mudar de ideia.
Saí da BR-101 em Tubarão, em direção a Lauro Muller. Me surpreendi com a qualidade das cidades do interior catarinense nesse trecho, em especial com São Ludgero e Orleans. Não conhecia essa região. Me pareceram boas cidades, com muitos prédios. Eu realmente não esperava cidades com essa infraestrutura por ali.
Cheguei na SRR com uma sensação indescritível de vitória por finalmente estar ali, naquele lugar cantado em prosa e verso por tantos colegas motociclistas! Subi a serra com todo cuidado, parando para tirar fotos em tudo quanto é curva. E como é bonito o lugar... merece cada foto e muito mais! Foi um prazer idescritível estar ali.
Cheguei no topo da serra e parei no primeiro bar que achei. Fiz um lanche. Era um barzinho muito mixuruca, que duas senhoras tomavam conta. Não havia mais ninguém por lá, só eu e elas. Achei estranho para lugar tão famoso. Até que elas mesmo resolveram o mistério - me disseram que havia logo adiante um mirante, lugar das melhores fotos da serra. E era logo adiante mesmo, uns 500 metros se tanto. Segui até lá. Realmente era o lugar. Tirei montes de fotos! Tinha até uma simpática família de quatis por ali, garimpando comida com os visitantes.
Fiquei um tempo por ali, tirei todas as fotos que queria e aproveitando o tempo surpreendentemente limpo depois de tanta chuva no dia. Dava para ver bem longe lá de cima! As fotos ficaram ótimas. Quando eu imaginaria isso no meio daquela chuva toda de Curitiba a Florianópolis! Lição - nunca dê um objetivo por perdido até que a partida acabe, e sem ao menos tentar!
Me dei conta lá em cima que não teria tempo para chegar em Porto Alegre no mesmo dia, como cheguei a pensar no dia anterior, ao olhar os trechos do Google Maps. Então liguei de lá para um grande amigo, Karlo, que mora em Araranguá, relativamente próximo. Amigão de mais de 30 anos de amizade. Me escalei para passar a noite na casa dele, na maior cara de pau. Ele nem sabia que eu estava por ali perto, menos ainda que estava numa viagem de moto. Mas me recebeu maravilhosamente, como sempre (não é a primeira vez que me escalo).
Desci a serra tirando mais fotos ainda, e rumei para Araranguá. Já estava completamente seco de novo, pois o vento da estrada secou a roupa toda, até as luvas de couro encharcadas. Cheguei em Araranguá ainda de dia, e encontrei Karlo no seu escritório. Dali fomos para a casa dele, onde encontrei o restante da pequena família - Adriana e Guilherme. Muito bom revê-los.
No fim das contas, o que começou como um dia cinzento, frio e chuvoso acabou sendo uma grande conquista. A Serra do Rio do Rastro foi o ponto alto de toda a viagem, certamente.
Algumas fotos do 3o dia:
Próximo de Laguna. Lá ao longe a nova ponte, parecendo as velas de um barco.
Primeira placa que encontrei falando da Serra do Rio do Rastro, em Lauro Muller. É pra lá que eu vou!!
Paisagem da serra, ainda na parte baixa, antes de começar a subida. Já é bela.
O café no topo da serra, no 'bar errado'.
A serra em toda sua magnitude, vista do mirante. Quem diria que peguei quase 400 km de chuva nesse dia aí?
Os simpáticos quatis.
Dia 4 - 3a feira, 7 de julho: de Araranguá/SC a Porto Alegre/RS
Dia de chegar ao destino passando por estradas muito conhecidas - a BR-101 e a BR-290. Sem previsão de grandes emoções além daquela de estar de volta ao meu lugar, ao meu Rio Grande, à casa de meu pai (o que, convenhamos, já é emoção suficiente).
Saí com chuva de novo. Mas desta vez chuva de verdade, sem meio termo. Coloquei todas as capas possíveis e fui para a estrada. O sul de Santa Catarina tem grandes retas e a estrada está ótima, foi só seguir em diante 'toureando' o frio. Faltavam pouco mais de 250 km para chegar em casa.
Parei na divisa de estado (para nós gaúchos, fronteira) e tirei algumas fotos. Minha última fronteira do trajeto de ida! E entrada do meu rincão, da minha terra. Não importa quantas vezes eu passe nesse local, sempre me emociono. É como chegar em casa.
Não lembro se foi antes desse ponto ou depois que senti que já estava todo molhado, da cabeça aos pés. E descobri então que não foi o fato de ter vestido a capa já um pouco molhado no dia anterior que me fez sentir úmido, mas sim o fato da capa ter perdido a impermeabilidade. Ela era feita de um tecido tipo guarda-chuva, e sei lá porquê, passou a deixar a chuva passar. Pouco a pouco eu fui ficando completamente molhado, mas completamente mesmo, até as meias, as cuecas, tudo. Ensopado numa temperatura de 10 a 12 graus, o que somado com o vento da própria pilotagem potencializava a sensação desagradável. As únicas partes quentes do meu corpo eram as palmas das mãos, porque a Alemoa tem aquecedor de manoplas. E que santo equipamento... não sei nem dizer o que seria esse dia gelado sem ele!!
Cheguei em POA no meio da tarde, e dei com a cara na porta. Não tinha ninguém em casa naquele momento. Eu não tinha avisado a ninguém a hora que chegaria, porque não sabia que hora seria. E calhou de ser exatamente quando não tinha ninguém! Tive que esperar algum tempo até alguém chegar e abrir o portão do prédio... e isso todo molhado e gelado... uma beleza!
Passado esse pequeno tormento, eu finalmente entrei em casa! Tirei todas as roupas encharcadas, tomei um banho bem quente, um café e voltei à vida! Eu tinha cumprido meus objetivos e estava imensamente feliz comigo mesmo! Tinha chegado em Porto Alegre são e salvo, superando todas as dificuldades, o frio, a chuva, o medo.
P.S 1: Não tirei uma única foto nesse dia. Chuva demais!
P.S. 2: O conjunto de macacão e calça de couro levou quase 3 dias tomando vento quente da estufa para secar!