segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Perdido no interior do Rio de Janeiro

Essa é da minha segunda ida de Vitória a Porto Alegre de moto, no final de dezembro de 2015. 

O roteiro foi planejado com antecedência no Google Maps. A viagem levaria pelo menos uns quatro dias, e eu queria cruzar o país por estradas diferentes das óbvias, passando por estradas bonitas e cheias de curvas.

No primeiro dia eu ia descer até perto de Campos dos Goytacazes e dali entrar para o interior do estado do Rio de Janeiro. A ideia era percorrer a BR-492 até Teresópolis, dali pegar a muito bem recomendada “Rota Romântica” (BR-495) até Petrópolis, e depois seguir pela RJ-117 até Miguel Pereira ou outra cidade próxima, onde o entardecer me encontrasse.

Planejei sair da BR-101 um pouco antes das encrencas do trecho urbano de Campos dos Goytacazes, numa localidade que no mapa se chamava Conselheiro Josino. Havia uma opção de entrar na BR-492 ainda antes, em Morro do Coco, mas por algum motivo o Google Maps não roteirizava por esse trecho inicial. E tinha ainda a opção ir até Campos para ali pegar a estrada para São Fidélis, mas esse era um trajeto bem mais longo e incluía passar por todo o trecho urbano da cidade de Campos, sempre muito engarrafado, lento e quente. 

Saí de casa bem cedo e atravessei todo o sul do ES todo pela velha conhecida BR-101. O trevo de Conselheiro Josino era um lugarzinho tão pequeno que se bobeasse eu passava reto sem nem perceber que ali tinha um trevo! Mas estava ligado e entrei à direita para a estradinha com uma sensação de que ali começava a verdadeira viagem.


(Trevo de Cons. Josino no Google Street View)

Com aquela emoção das coisas novas e desconhecidas eu entrei na RJ-228, estradinha pequena na qual eu deveria seguir até Vila Nova de Campos. Tudo bem tranquilo, absolutamente ninguém na estrada e um solzão de verão aquecendo a roupa de couro.

Vila Nova de Campos e era um lugar tão pequeno quanto Conselheiro Josino, senão menor. Não encontrei nenhuma placa indicativa da estrada que deveria pegar, mas encontrei uma bifurcação na estrada com um posto de gasolina bem precário mais ou menos na quilometragem indicada. Seria ali? Devia ser.



Era a primeira entrada à esquerda, como indicava no mapa. Mas olhei a estrada e era um desastre, não dava sequer para saber se era de terra ou asfalto de tão ruim que estava. Parei no posto quase abandonado e perguntei a um cara que estava ali:

– Essa estrada vai para São Fidélis?

São Fidélis era a cidade maiorzinha no trecho adiante, achei que era boa referência. O cara no posto comentou:

- Ih, essa estrada tá muito ruim. Tem uma melhor logo à frente, passando Murundu.

Uhm, se era melhor que aquele desastre era uma opção interessante. 

- Essa outra estrada tá boa?

- Ah, bem melhor que essa aqui. É toda asfaltada, nova!

Na verdade eu ainda estava em dúvida se aquela estrada que começava no posto de gasolina era mesmo a estrada que eu deveria pegar pelo roteiro. Ou será que era essa outra que o carinha falou? Pensei em checar no Maps com o celular, mas quem disse que tinha sinal de celular naquele finzinho de mundo? Nadinha, nem Vivo nem Tim, as duas operadoras que eu utilizava. Pensei por um minuto na coisa toda e resolvi seguir a indicação do sujeito. Fui adiante até Murundu, pensando que lá deveria ter alguma placa ou indicação dessa estrada para São Fidélis.

A tal da Murundu era outra comunidadezinha minúscula na RJ-228, apenas alguns quilômetros adiante de Vila Nova de Campos. Não demorei a chegar nela. Mas cadê a entrada da tal da estrada nova e boa? Passei devagar pela comunidade e não encontrei nada. Como o sujeito disse que era para “entrar em Murundu”, não quis seguir muito adiante pela estrada para ver se a entrada estava mais à frente. Voltei e entrei em Murundu, seguindo bem literalmente a indicação. Passei por umas poucas ruelas sem encontrar casa aberta ou pessoa pela rua e cheguei numa estrada. Entrei à esquerda achando que era ali, mas a estrada logo se transformou numa estrada de terra. Não poderia ser essa, pois o cara falou que a estrada era toda asfaltada! Parei, tirei uma foto, dei meia volta e voltei para Murundu. 



Me embrenhei de novo nas ruazinhas até encontrar alguém. Perguntei como pegava a estrada para São Fidélis. A pessoa não sabia o caminho, mas disse que se eu seguisse à frente chegaria em Cardoso Moreira, que era mais perto de São Fidélis. Fui. 

A estradinha estava longe de estar boa, e certamente não tinha sido recentemente asfaltada. Estava cheia de buracos. Mas segui por ela mesmo assim. Em torno, paisagens rurais de planície do norte do estado do Rio de Janeiro. Nada espetacular, essa região não é feia mas não chega a ser particularmente bela.

Eu não fazia nem ideia de onde estava realmente, mas o interessante é que isso não incomodava. Tinha a sensação de estar perdido mas ao mesmo tempo não tinha nenhum medo. Era ainda de manhã, eu tinha certeza de que em algum lugar eu chegaria e de lá daria um jeito de ir adiante. Não tinha pressa de chegar e nem reserva de hotel feita em cidade alguma do caminho. Era dono do meu destino, apesar de nem saber onde estava. Fui adiante pela estradinha curtindo a motocada e as paisagens.

Cheguei algum tempo depois na tal da Cardoso Moreira e me impressionei. Para uma cidade que nem aparecia nos meus mapas ela era bem estruturada e tinha até alguns prédios. Bem maior que as comunidadezinhas anteriores. Parei novamente para perguntar pelo caminho para São Fidélis, e a pessoa me perguntou:

- Você vai para São Fidélis mesmo?

- Na verdade vou para Nova Friburgo.

Se fosse ser preciso eu deveria dizer que estava indo para Porto Alegre, mas Nova Friburgo ficava no caminho que eu queria passar nesse dia. Era a “grande cidade” seguinte no meu roteiro. Vai que o sujeito nem soubesse onde era Porto Alegre?

Ele respondeu:

- Ah, mas aí não precisa passar em Fidélis! Segue adiante até o trevo e pega a estrada para Pureza. De lá você chega na estrada para Friburgo mais fácil.

Ri sozinho dentro do capacete com o nome do lugar - “Pureza”. Nunca tinha ouvido falar e nunca tinha visto no mapa. Já bem dentro do espírito “deixa a estrada me levar” eu nem pensei em pegar o celular para ver onde ficava ou como chegava lá. Só segui a indicação.

A estrada que saía de Cardoso Moreira (BR-356) estava em ótimo estado. Para onde será que ia? Fiquei curioso mas não a ponto de parar e olhar num mapa. Fui seguindo a indicação até chegar em um trevo. Seria ali a estrada para Pureza? A falha em achar a BR-492 em Murundu me fez duvidar. O sujeito tinha falado que era perto e aquela era a primeira entrada à esquerda. Mas de novo a estrada era de terra! 



Parei para pensar no que fazer e tirar mais umas fotos e vi que a uns 100 metros vinha pela estrada um vendedor de picolé empurrando seu carrinho. Esperei ele chegar e perguntei pela estrada para Pureza. Era aquela mesmo? Era. Mas era de terra? 

- Ah, não, seu moço. Logo adiante tem asfalto. É só esse pedacim no começo que é de terra!

Segui pela estradinha, que depois do trechinho de terra estava em boas condições, até a cidade de Pureza. Fui seguindo placas para Nova Friburgo até que cheguei numa cidade chamada Itaocara. São Fidélis já estava bem para trás e o caminho para Nova Friburgo já não era mais a BR-492 dos meus planos. Eu estava mais além dela. Minha preocupação era como faria para chegar nela de novo!

Tal como aconteceu em Cardoso Moreira me surpreendi com o tamanho de Itaocara. Era uma cidade bem maior que eu esperava. Maior que Cardoso Moreira, inclusive. E grande o suficiente para eu precisar de indicação para sair dela no caminho certo. Parei ao lado de uma pracinha e estudei o caminho a seguir. Eu deveria pegar a RJ-152 e seguir adiante até pegar a RJ-166, que me levaria de volta para a BR-492 por volta de Macuco. O trevo para a RJ-166 seria em Euclidelândia. 

Como o nome sugere, é a terra natal de Euclides da Cunha. Fácil de achar porque tem uma pitoresca estação de trem já desativada com o nome do lugar ao lado da estrada, bem onde eu pensava que haveria o trevo. Parei para tirar fotos da estacão, mas não achei o trevo. Cadê ele? No lugar indicado não achei nada, nem trevo, nem placa, nem RJ-166. Acabei na entrada de uma escola. Perdido de novo.



Parei para consultar novamente o Google Maps e vi que haveria outra passagem para a BR-492 passando por Cantagalo e Cordeiro. Resolvi abandonar a busca da RJ-166 e seu trevo inexistente e segui adiante curtindo a estradinha em que estava, que era bem boazinha. Bem mais adiante, depois de Cantagalo, eu finalmente encontrei a planejada BR-492. Depois de várias horas e um grande desvio eu tinha encontrado meu caminho! Já não estava mais perdido!

No fim das contas, esse trecho acabou sendo uma da parte bem interessante da viagem. A sensação de estar perdidão, misturada com uma inexplicável autoconfiança de achar uma solução, foi bem legal. Talvez tenha sido uma das coisas mais próximas de “liberdade” que já pude sentir. Era eu, o sol, a moto, a estrada e uma absoluta certeza que tudo ia dar certo!